II Conferência Nacional da Tendência Socialismo

Moção política aprovada

1. Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu evidenciam de forma muito clara os processos de desagregação que ameaçam a União Europeia: o centralismo e autoritarismo acentuam o confronto de interesses de vários países com a política da UE; onde a esquerda for fraca, o esvaziamento da democracia pelo federalismo e pela financiarização da política afasta os cidadãos e abre o campo a respostas ultra-conservadoras; a UE promoveu a militarização das suas fronteiras e alimenta estratégias de tensão com graves efeitos permanentes (Ucrânia, Médio Oriente). Os tratados da UE não são reformáveis, pelo que se impõe uma estratégia de desobediência: proteger Portugal desta EU, recusar a agressão dos tratados europeus e da austeridade, estimular todas as alianças com a esquerda europeia por uma União da democracia contra a União da finança.

2. A desagregação do sistema político português vai acelerar-se, aumentar a pulverização e o campo para novos fenómenos, mesmo que efémeros, e mater fortes tendências abstencionistas. Sem uma esquerda forte, é grande o risco de um governo do bloco central ou do PS, com o apoio do PSD, avançar numa nova lei eleitoral destinada a eternizar no poder os partidos da alternância.

3. O nosso foco estratégico é a reestruturação da dívida, para a acabar com a austeridade, fazer crescer a economia e o emprego, defender a democracia constitucional. A dívida é o pretexto para a austeridade, a destruição dos serviços e empresas públicas e para o ataque à Constituição, com a troika e agora com a aplicação do Tratado Orçamental. Por isso, a reestruturação que a esquerda tem que defender implica um forte abatimento da dívida, que assegure a autonomia do país a longo prazo diante dos mercados financeiros. É em torno desta proposta que fazemos alianças. Não se pode perder mais tempo. Se essa reestruturação profunda não ocorrer em tempo útil, é a própria existência do estado social que está em causa. Nesse contexto, a nossa escolha está feita: o Bloco não aceitará mais sacrifícios sobre o povo para pagar a permanência na moeda única. Defendemos a restruturação da dívida e não recuamos perante a chantagem de expulsão do Euro.

4. A nossa hipótese política essencial para o futuro próximo é que o tratado Orçamental vai ser aplicado por um governo do bloco central ou do PS. Para responder a essa hipótese, a necessário construir uma forte alternativa à esquerda do PS, a partir da convergência das forças que rejeitam a austeridade e qualquer governo que a aplique. Esta convergência deve disputar mais de 20% dos votos e incluir a força decisiva de muitos independentes e ativistas sociais para poder apresentar ao país, pela primeira vez, uma resposta unida aos problemas nacionais e à desagregação social. Uma tal iniciativa política teria um efeito muito forte na atração de setores independentes e seria um poderoso fator de resistência social e até de pressão sobre o PS, condicionando desenvolvimentos futuros. Quebrar o centro e polarizar à esquerda continua a ser a chave para um governo de alternativa cuja política rompa com a austeridade e respeite a Constituição. A um governo do PS ou do novo bloco central contrapomos uma maioria e um governo de alternativa. Para isso, é essencial alargar os diálogos à esquerda, sem sectarismo nem formalismo, mas que construam as bases para as convergências necessárias à quela alternativa.

5.  Deste foco estratégico e desta hipótese política decorre uma linha de aliança alargada na recusa da austeridade e do Tratado Orçamental e na prioridade à reestruturação da dívida e à defesa da Constituição. Este campo de aliança exclui qualquer aproximação a um governo que não inicie o processo legal de desvinculação do Tratado Orçamental e, pelo contrário, implica um combate frontal contra tal governo. Qualquer aproximação política que deixe em aberto esta orientação ou cuja vocação seja “adornar” um governo PS, seria apenas uma fonte de equívocos ou uma mera intermediação para o reforço da alternância e deve merecer a clara rejeição do Bloco de Esquerda.

6. Nas eleições presidenciais, o Bloco deverá estar disponível para apoiar um/a candidato/a independente que possa juntar diferenciados setores, desde que se coloque sem ambiguidade no campo da luta contra a austeridade e as privatizações, pela retirada de Portugal do Tratado Orçamental e pelo cumprimento da Constituição. Na falta de tal candidatura, o Bloco poderá considerar a apresentação de um/a candidato/a próprio/a do seu campo político.

7. O Bloco tem que mudar as suas práticas militantes. Estão por aplicar algumas decisões importantes da sua última conferência de organização, que o calendário eleitoral deixou pendentes. O sentido destas decisões deve ser aprofundado desde já e ao longo dos próximos dois anos: multiplicar no Bloco os espaços de participação dos aderentes e as formas de relação com o movimento social, terrenos em que o Bloco se desenvolveu de forma insatisfatória. O BLoco deve também recuperar e desenvolver formas de ação e intervenção fora dos espaços insititucionais, que constituíram a imagem de marca do partido nos seus tempos iniciais.

8. A tendência Socialismo não apresentará uma moção própria na IX Convenção. Encarando o debate interno a partir dos elementos aqui expressos e estimulando o debate a partir deles, o papel da nossa tendência não é constituir-se numa fração do partido ou num espaço fechado de afirmação. A tendência Socialismo é hoje, mais do que nunca, um contributo aberto ao debate bloquista, que procurará sempre a expressão mais unida que a coerência programática do Bloco possa ter. Assim será também até à próxima Convenção.

Sala polivalente do Liceu Padre António Vieira,

29 de junho de 2014