Findo um percurso, caminhos comuns
Resolução da assembleia nacional da Tendência Socialismo, 21 de março de 2014
A formação da Tendência Socialismo em 2013 obedeceu a objetivos transparentes, apresentados no seu texto fundador.
“A Tendência Socialismo tem um objetivo: contribuir lealmente para a reflexão interna do Bloco e para a sua afirmação como política socialista, com uma estratégia clara para lutar e para vencer. A Tendência Socialismo nasce da noção de que essa exigência supõe novas formas de estruturação da vida política interna do Bloco, capazes de, honrando o património inestimável de sabedoria e de arrojo até agora construído, reforçar a reflexão política e ideológica sobre a política socialista.
A vocação da TS é reconfigurar o debate político interno - em torno das escolhas do Bloco e não de outras identidades históricas. (...) Esta plataforma faz escolhas em comum sobre propostas estratégicas e contribui para o seu desenvolvimento no debate aberto”.
Quase dois anos depois, o balanço da atividade da Tendência faz-se à luz destes propósitos iniciais.
Quanto ao primeiro, é necessário assumir a modéstia dos resultados. A Tendência Socialismo não foi capaz de transformar a reflexão política e ideológica no Bloco. Fatores de natureza interna, dada a tensão que entretanto se multiplicou, e, sobretudo, as exigências do combate político do partido podem ajudar a compreender esse resultado. Mas o balanço deve ser rigoroso: não cumprimos este objetivo.
Quanto ao segundo ponto, o das escolhas sobre propostas estratégicas no Bloco, a Tendência Socialismo orgulha-se do seu contributo. O Bloco viveu tempos de grande mudança. Mudança no país, mas também na sua presença política e na sua estrutura. Nestes tempos difíceis, a Tendência Socialismo esteve sempre ao serviço de soluções unitárias e abrangentes para a condução do partido. Não conseguimos evitar a divisão da última Convenção. Mas a nossa postura tornou possível constituir, com outros contributos, a Moção Unitária em Construção, a Moção U, em que tantos e tantas militantes, de todas as tradições do Bloco, muito para além de qualquer grupo ou tendência, propuseram uma clara orientação socialista e de combate, que venceu a IX Convenção.
A criação da tendência pretendeu responder também aos erros do passado. Afirmávamos que, quinze anos depois da sua fundação, o Bloco de Esquerda não podia ser uma frente de grupos copiados dos partidos que lhe tinham dado origem. Hoje todos parecem concordar com essa constatação. O Bloco perdeu tempo demais. Por isso, o contributo desta Tendência não foi afirmar um grupo na Convenção, mas sim juntar opiniões distintas e mostrar que é possível e necessário trabalhar em conjunto sem espírito de facção. Convidámos a moção E, e outras, para a elaboração de uma lista comum e, perante a recusa, que penalizou publicamente o Bloco, mantivemos a proposta unitária. Ninguém contribuiu mais para resgatar a força do Bloco, como ele é e tem que ser: um movimento de milhares de ativistas unidos por um programa anticapitalista e que não vivem no passado da dispersão da esquerda minúscula.
Desde a Convenção, os subscritores da Moção U e os seus eleitos nos diversos níveis da direção do Bloco mantiveram encontros regulares, conformando um espaço de debate e análise sobre o quadro político e a situação do partido. Longe de qualquer projeto de sectarização e antes constatando o efeito de desgaste, interno e público, provocado pela divisão na IX Convenção, a Moção U tem sido o espaço da procura da maior união que a coerência programática do Bloco possa gerar. Pela composição plural da sua base, pelo seu papel dirigente e pelo diálogo com todas as opiniões do partido, este espaço, que é um fator de unidade interna, pode desenvolver-se e alargar-se como novo ponto de partida para a reconfiguração do debate.
Assim, a assembleia de aderentes da Tendência Socialismo, reunida em Lisboa a 14 de março de 2015, decide encerrar a existência da Tendência Socialismo e apelar a todos e todas as bloquistas para que afirmem juntos a força e a convicção de um movimento que quer crescer como uma alternativa socialista em Portugal.
Esta resolução será comunicada à Mesa Nacional e divulgada no site da Tendência pelo período de um mês.
Lisboa, 21 de março 2015
Tendência Socialismo não apresentará moção própria à Convenção do Bloco de Esquerda
A Assembleia Nacional da Tendência Socialismo, que se reuniu hoje, aprovou a moção apresentada por Catarina Martins e João Semedo. A Tendência Socialismo assume-se como um contributo aberto ao debate bloquista, que procurará sempre a expressão mais unida que a coerência programática do Bloco possa ter. Ler moção na íntegra, aqui.
Moção Política aprovada na II Conferência Nacional da Tendência Socialismo
II Conferência Nacional da Tendência Socialismo
Moção política aprovada
1. Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu evidenciam de forma muito clara os processos de desagregação que ameaçam a União Europeia: o centralismo e autoritarismo acentuam o confronto de interesses de vários países com a política da UE; onde a esquerda for fraca, o esvaziamento da democracia pelo federalismo e pela financiarização da política afasta os cidadãos e abre o campo a respostas ultra-conservadoras; a UE promoveu a militarização das suas fronteiras e alimenta estratégias de tensão com graves efeitos permanentes (Ucrânia, Médio Oriente). Os tratados da UE não são reformáveis, pelo que se impõe uma estratégia de desobediência: proteger Portugal desta EU, recusar a agressão dos tratados europeus e da austeridade, estimular todas as alianças com a esquerda europeia por uma União da democracia contra a União da finança.
2. A desagregação do sistema político português vai acelerar-se, aumentar a pulverização e o campo para novos fenómenos, mesmo que efémeros, e mater fortes tendências abstencionistas. Sem uma esquerda forte, é grande o risco de um governo do bloco central ou do PS, com o apoio do PSD, avançar numa nova lei eleitoral destinada a eternizar no poder os partidos da alternância.
3. O nosso foco estratégico é a reestruturação da dívida, para a acabar com a austeridade, fazer crescer a economia e o emprego, defender a democracia constitucional. A dívida é o pretexto para a austeridade, a destruição dos serviços e empresas públicas e para o ataque à Constituição, com a troika e agora com a aplicação do Tratado Orçamental. Por isso, a reestruturação que a esquerda tem que defender implica um forte abatimento da dívida, que assegure a autonomia do país a longo prazo diante dos mercados financeiros. É em torno desta proposta que fazemos alianças. Não se pode perder mais tempo. Se essa reestruturação profunda não ocorrer em tempo útil, é a própria existência do estado social que está em causa. Nesse contexto, a nossa escolha está feita: o Bloco não aceitará mais sacrifícios sobre o povo para pagar a permanência na moeda única. Defendemos a restruturação da dívida e não recuamos perante a chantagem de expulsão do Euro.
4. A nossa hipótese política essencial para o futuro próximo é que o tratado Orçamental vai ser aplicado por um governo do bloco central ou do PS. Para responder a essa hipótese, a necessário construir uma forte alternativa à esquerda do PS, a partir da convergência das forças que rejeitam a austeridade e qualquer governo que a aplique. Esta convergência deve disputar mais de 20% dos votos e incluir a força decisiva de muitos independentes e ativistas sociais para poder apresentar ao país, pela primeira vez, uma resposta unida aos problemas nacionais e à desagregação social. Uma tal iniciativa política teria um efeito muito forte na atração de setores independentes e seria um poderoso fator de resistência social e até de pressão sobre o PS, condicionando desenvolvimentos futuros. Quebrar o centro e polarizar à esquerda continua a ser a chave para um governo de alternativa cuja política rompa com a austeridade e respeite a Constituição. A um governo do PS ou do novo bloco central contrapomos uma maioria e um governo de alternativa. Para isso, é essencial alargar os diálogos à esquerda, sem sectarismo nem formalismo, mas que construam as bases para as convergências necessárias à quela alternativa.
5. Deste foco estratégico e desta hipótese política decorre uma linha de aliança alargada na recusa da austeridade e do Tratado Orçamental e na prioridade à reestruturação da dívida e à defesa da Constituição. Este campo de aliança exclui qualquer aproximação a um governo que não inicie o processo legal de desvinculação do Tratado Orçamental e, pelo contrário, implica um combate frontal contra tal governo. Qualquer aproximação política que deixe em aberto esta orientação ou cuja vocação seja “adornar” um governo PS, seria apenas uma fonte de equívocos ou uma mera intermediação para o reforço da alternância e deve merecer a clara rejeição do Bloco de Esquerda.
6. Nas eleições presidenciais, o Bloco deverá estar disponível para apoiar um/a candidato/a independente que possa juntar diferenciados setores, desde que se coloque sem ambiguidade no campo da luta contra a austeridade e as privatizações, pela retirada de Portugal do Tratado Orçamental e pelo cumprimento da Constituição. Na falta de tal candidatura, o Bloco poderá considerar a apresentação de um/a candidato/a próprio/a do seu campo político.
7. O Bloco tem que mudar as suas práticas militantes. Estão por aplicar algumas decisões importantes da sua última conferência de organização, que o calendário eleitoral deixou pendentes. O sentido destas decisões deve ser aprofundado desde já e ao longo dos próximos dois anos: multiplicar no Bloco os espaços de participação dos aderentes e as formas de relação com o movimento social, terrenos em que o Bloco se desenvolveu de forma insatisfatória. O BLoco deve também recuperar e desenvolver formas de ação e intervenção fora dos espaços insititucionais, que constituíram a imagem de marca do partido nos seus tempos iniciais.
8. A tendência Socialismo não apresentará uma moção própria na IX Convenção. Encarando o debate interno a partir dos elementos aqui expressos e estimulando o debate a partir deles, o papel da nossa tendência não é constituir-se numa fração do partido ou num espaço fechado de afirmação. A tendência Socialismo é hoje, mais do que nunca, um contributo aberto ao debate bloquista, que procurará sempre a expressão mais unida que a coerência programática do Bloco possa ter. Assim será também até à próxima Convenção.
Sala polivalente do Liceu Padre António Vieira,
29 de junho de 2014
A Tendência Socialismo
A Tendência Socialismo é uma tendência integrante do Bloco de Esquerda, formada ao abrigo do direito de tendência consagrado no artigo 4º dos estatutos do Bloco de Esquerda (http://www.bloco.org/media/estatutosviiiconv.pdf), cujo objetivo essencial é reforçar o Bloco de Esquerda, contribuindo para um debate interno mais aprofundado e para um pensamento estratégico mais sólido e, desse modo, criando condições mais fortes para a construção da esquerda para o socialismo. Esta tendência nasce da experiência do Bloco de Esquerda e contribui para reforçar a sua democracia, a sua abertura e a sua coerência.
Esta tendência respeita as suas raízes. O Bloco de Esquerda foi formado a partir de uma plataforma política envolvendo três partidos e independentes que abriu o campo à formação de um novo sujeito político. A iniciativa teve como génese próxima uma derrota (a do referendo do aborto) e um movimento ascendente (o dos fóruns sociais contra a globalização financeira e a guerra) e aprendeu com a vida.
Os fundadores escolheram rejeitar a forma de coligação eleitoral ou de frente, porque escolheram criar um novo partido em que se juntaram todos os que quiseram fazer o movimento que é o Bloco de Esquerda. Estas duas escolhas – juntar forças e fazê-lo sob a forma de um novo partido que define a sua política e recusa ficar a meio caminho sob a forma de uma frente – foram a chave do sucesso e da abertura do Bloco. Sem elas, não teríamos chegado até aqui.
Esse sucesso é o nosso património coletivo e não tem par na história política portuguesa das últimas décadas. Numa dúzia de anos, o Bloco afirmou-se como uma proposta política nova e consistente, disputou o campo da esquerda, criou base social, conjugou gerações de ativistas, apoiou novos movimentos sociais, conseguiu vitórias e teve derrotas. Todos esses resultados decorrem da fidelidade ao projeto do Bloco: uma esquerda socialista moderna, criativa, aberta, combativa, anticapitalista e pronta para responder aos novos desafios entretanto criados pela globalização e pela hegemonia do neo-liberalismo.
O Bloco criou uma nova realidade política e esse era e é o seu objetivo. A sua direção e a sua ação nunca foram por isso prisioneiras do passado. As correntes a que os partidos anteriores deram lugar souberam, no essencial, subordinar-se ao reforço do Bloco como novo sujeito político determinante. Mas constatamos também que a afirmação do Bloco como direção coletiva teria alcançado um nível superior de articulação e eficácia se os seus fundadores já tivessem criado entre si um novo espaço que consolidasse o que quiseram que o Bloco representasse, superando o peso por vezes excessivo das correntes fundadoras e facilitando desse modo a concretização dos objetivos iniciais.
Agora, ao inauguramos esta nova etapa com quem a quiser fazer, consideramos pela nossa parte que esse percurso das correntes originais está esgotado. Não temos nem teremos qualquer preconceito ou afastamento de quem queira seguir por outra via. Mas escolhemos a nossa, que achamos que é a que resulta genuinamente da aprendizagem forjada na experiência extraordinária do nosso movimento e que responde ao desafio que importa: contribuir para fazer crescer o Bloco como referência de primeira importância para a esquerda portuguesa que luta pelo socialismo.
As correntes de que alguns de nós fizemos parte foram formadas tendo como referentes centrais as grandes revoluções ou ruturas do século XX. Foi marcante a influência da ascensão das novas esquerdas e a mobilização anti- fascista e anti-colonial em Portugal a contestação ao imperialismo e à guerra, o confronto com as experiências soviética e chinesa, as derrotas de Allende e do Che, o impacto do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, a revolução cultural chinesa, a revolução cubana, o Maio de 1968 e a primavera de Praga. Essa base política é referencial e fez com que muitos de nós trilhassem caminhos separados.
Mas também se abriram caminhos de aproximação com enormes consequências políticas e ideológicas: na emergência do feminismo moderno, da ecologia social, da luta pelo reconhecimento dos direitos das minorias ou no combate à globalização imperialista. Quando esses caminhos se encontraram no Bloco, sabíamos que tudo o que trazíamos importava nesta construção.
Ora, o nosso sucesso coletivo como Bloco obriga-nos agora a considerar o quadro político novo, que quisemos afirmar e que é precisamente o que estamos a erguer.
Esta plataforma Socialismo é formada para o longo prazo. O Bloco atua agora sobre novas fronteiras políticas, em que se destaca o confronto da nossa época, contra a financiarização global e o seu império. A marca da crise europeia, com o ataque contra os contratos sociais dos pós-guerra ou os da democracia portuguesa, com a rendição de grande parte da social-democracia ao liberalismo, com o crescimento de populismos vários, determina confrontos em que se deve juntar toda a capacidade para construir uma direção clara no programa, consistente na ideologia e empenhada na política de um partido de massas.
Esse passo é difícil, porque é novo para todos nós. Não lhe viramos costas nem nos atrasamos. Se a sua constituição como direção e política para os próximos anos e combates é o que define um partido de massas, então é isso mesmo que queremos do Bloco. Se a prioridade é uma direção política que sabe o que quer, que sabe para onde vai, que conhece as dificuldades e contradições, que faz o caminho, esta tendência mobiliza todas as capacidades dos seus participantes para o conseguir.
É nessa fronteira que nos definimos: somos uma esquerda socialista, rejeitamos qualquer deriva para o centro-esquerda porque este claudica perante as escolhas da direita. Afirmamos a estratégia de polarizar a sociedade na recusa da política da troika e por um governo de esquerda com um programa para responder às dificuldades de milhões de trabalhadoras e trabalhadores. Não se trata aliás de uma aposta tática para este momento mas sim de um traço estrutural de identidade do nosso combate político. A plataforma que formamos procura por isso contribuir com a sua melhor capacidade para reforçar um Bloco capaz de criar relações de forças vantajosas, de explorar todas as possibilidades unitárias, na luta política e nos movimentos sociais, de juntar novas energias, de apresentar e aprofundar um programa de alternativas e propostas consistentes e transformadoras. Recusa por isso a subserviência, a desistência e o seguidismo. Esta tendência quer contribuir para a coluna vertebral de uma esquerda que luta pelo socialismo.